Como a memória e o apego influenciam o luto

Como dito em vários outros artigos, luto é uma experiência universal, mas profundamente pessoal, que envolve uma série de emoções, pensamentos e comportamentos que são desencadeados pela perda de alguém que em vida, foi muito importante para o enlutado.


Na psicologia, compreender o luto vai além da simples observação das fases de negação, raiva, barganha, depressão e aceitação, como proposto por Elisabeth Kübler-Ross e que são bem difundidos quando falamos sobre os processos de luto. Por isso, para além das fases do luto, hoje eu trago dois elementos centrais nesse processo são a memória e o apego, que desempenham papéis cruciais na forma como vivenciamos e lidamos com a dor da perda.

Posso dizer por experiência própria, pelas minhas perdas pessoais, o quanto essa capacidade pode influenciar a forma como sentimos a perda de alguém, ou situação.

A memória como ferramenta de conexão e dor

A memória é um dos pilares que sustentam nossa identidade e nossas relações, sem nossas memórias, não seríamos quem somos e parte dessas lembranças vem carregadas das pessoas que fizeram parte da nossa história (seja de forma negativa, quanto positiva). Quando perdemos alguém, as lembranças compartilhadas tornam-se um refúgio e, ao mesmo tempo, uma fonte de sofrimento.

Segundo Freud, em “Luto e Melancolia” (1917), o trabalho do luto envolve um processo de revisão mental das memórias associadas ao ente querido, o que permite a gradual desvinculação emocional. No entanto, essa desvinculação não significa esquecer, mas sim integrar a perda à nossa história de vida. Ou seja, quando perdemos alguém amado, precisamos “revisar” todos os aspectos de nossa vida onde essa pessoa estava inserida para reorganizar nosso mundo interno, agora sem mais a presença do individuo nesse mundo. Em muitos casos, a sensação é a de reaprender a viver.

Nesse sentido memória pode ser ambivalente durante o luto. Por um lado, ela nos permite reviver momentos felizes, mantendo viva a presença simbólica da pessoa que partiu. Por outro, pode trazer à tona sentimentos de culpa, arrependimento ou saudade, intensificando a dor, especialmente em relacionamento que em vida, foram bastante conturbados.

O apego e a dificuldade de desligamento

A teoria do apego, desenvolvida por John Bowlby, oferece uma proposta valiosa para entender o luto. O autor propôs que os vínculos afetivos formados ao longo da vida moldam nossa resposta à perda. Pessoas com estilos de apego seguro tendem a vivenciar o luto de forma mais adaptativa, enquanto aquelas com apego ansioso ou evitante podem enfrentar maiores desafios.

O apego explica por que a perda de um ente querido é tão dolorosa: ele representa a ruptura de um vínculo emocional profundamente enraizado. Para Bowlby, o luto é um processo natural de reorganização desse vínculo, que envolve a busca pela pessoa perdida, seguida pela gradual aceitação de sua ausência. No entanto, quando o apego é muito intenso ou ambivalente, o processo de luto pode se tornar complicado, levando a sintomas prolongados de tristeza, raiva ou negação (Bowlby, 1980).

Em casos mais graves de dificuldade no processo do luto, podem surgir transtornos como depressão e abuso de substâncias para “lidar” com a dor da perda, mas de uma forma pouco adaptativa e não funcional. Nesses casos, a ajuda profissional é mais do que indicada, pois mostra uma enorme dificuldade individual de lidar com essa fase da vida.

A interação entre memória e apego

Memória e apego estão intrinsecamente ligados durante o luto. As memórias que temos da pessoa falecida são influenciadas pela qualidade do apego que compartilhamos com ela. Por exemplo, um relacionamento marcado por conflitos pode gerar lembranças ambivalentes, dificultando o processo de elaboração da perda. Por outro lado, um vínculo seguro e amoroso tende a produzir memórias que, embora dolorosas, ajudam a construir um sentido de continuidade e significado.

Conclusão

O luto é um processo complexo, influenciado por fatores individuais e relacionais. A memória e o apego desempenham papéis fundamentais nessa jornada, moldando como recordamos, sentimos e nos adaptamos à perda. Compreender esses mecanismos não apenas amplia nossa visão sobre o sofrimento humano, mas também oferece ferramentas para ajudar aqueles que enfrentam o desafio de seguir em frente após a partida de alguém amado.

Você conhece alguém ou você mesmo já vivenciou algo que foi escrito nesse artigo?

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Referências

- Bowlby, J. (1980). Apego e perda – perda, tristeza e depressão. Vol 3.

- Freud, S. (1917). *Luto e Melancolia*. Edição Standard das Obras Completas de Sigmund Freud. 

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