O luto é uma experiência universal, inerente à condição humana. Todos nós, em algum momento da vida, enfrentaremos a dor de perder alguém ou algo significativo. No entanto, apesar de ser um fenômeno comum, o luto é profundamente pessoal e singular. Cada indivíduo vivencia essa experiência de maneira única, mesmo os fatores sendo parecidos para todos. Uma dúvida que surge nos atendimentos voltados para essa demanda, é justamente sobre o tempo necessário e como transcorrer esse momento tão delicado. Para a maioria, o luto deve ser rápido e de preferência sem afetar a rotina já estabelecida, o que provoca na realidade, mais dificuldade e sofrimento.
Por isso, no artigo de hoje, eu falarei sobre os fatores que fazem com que o luto seja tão pessoal, apesar de ser uma experiência compartilhada por todo mundo.
Luto e as emoções
O senso comum diz que o luto é sentir uma profunda tristeza, o que é equivocado, uma vez que o luto não se resume a essa emoção. Durante essa fase, sentimos um turbilhão de emoções que pode incluir raiva, culpa, saudade, confusão e até mesmo momentos de aparente normalidade e alívio. A forma como essas emoções se manifestam e são processadas varia de pessoa para pessoa. Enquanto alguns choram copiosamente, outros podem parecer distantes ou até indiferentes. Essas diferenças não significam que o luto de alguém é mais ou menos intenso ou que aquela pessoa não está sofrendo, mas sim que cada um possui seu próprio modo de lidar com a dor e as pessoas ao redor devem , se não compreender, pelo menos respeitar.
Quais os fatores que influenciam o luto
Vou destacar os que mais eu observo em minha experiência com esse público, abaixo:
1. Histórico de Vida e Personalidade: A maneira como uma pessoa lida com o luto está intimamente ligada à sua história pessoal, traços de personalidade e mecanismos de enfrentamento. Alguém que já passou por perdas anteriores pode ter desenvolvido estratégias específicas para lidar com a dor, enquanto outra pessoa pode estar vivenciando o luto pela primeira vez, sem referências prévias.
Se o individuo conseguiu desenvolver recursos mais adaptativos à perda, tenderá a passar pelo processo de forma aparentemente mais saudável. Pesquisas mostram que pessoas que conseguem desenvolver resiliência, conseguem dar mais sentido e propósito as suas vidas e com isso, tem mais facilidade para ultrapassar momentos dolorosos, em especial, o luto (tanto pelo falecimento, quanto pelas mudanças bruscas).
Mas é importante ter em mente que o luto não tem um prazo para sua conclusão, isso significa que guardarem sempre esse sentimento, mesmo que a dor dele, seja superado, ele nunca é totalmente concluído.
2. Tipo de relacionamento com o falecido: A natureza do vínculo com a pessoa perdida também influencia o luto. A morte de um cônjuge, por exemplo, pode desencadear um processo diferente da perda de um amigo ou de um parente distante. A intensidade do apego, os conflitos não resolvidos e os papéis desempenhados na relação são fatores que moldam a experiência do luto.
Pessoas que experimentam conflitos não resolvidos podem desencadear o luto complicado de forma mais “fácil”, uma vez que as inúmeras possibilidades perdidas de conciliação com aquele que se foi nunca serão completamente vividas. Indivíduos que possuem apego muito intenso com o falecido (a) ou a situação que se finalizou, também terão (muito possivelmente), dificuldades para superar a perda e seguir adiante, já que toda a sua vida girava em torno da pessoa que se foi.
3. Contexto cultura e social: A cultura desempenha um papel fundamental na forma como o luto é vivenciado e expresso. Em algumas sociedades, a expressão emocional é incentivada, enquanto em outras, a contenção é valorizada. Além disso, o apoio social disponível – ou a falta dele – pode acelerar ou prolongar o processo de luto.
Infelizmente, pelas facilidades da vida moderna, a população brasileira vem perdendo o contato com as cerimônias e rituais característicos da morte. Morremos em hospitais, não mais em nossas casas, o que vem acarretando um distanciamento sobre a naturalidade do morrer. Além disso, a agitação da rotina dificulta o reconhecimento das nossas emoções mais negativas, o que também traz consequências nesse processo.
4. Crenças pessoais: As crenças religiosas, filosóficas ou espirituais de cada um também influenciam a maneira como a morte é interpretada e o luto é processado. Para alguns, a ideia de uma vida após a morte pode trazer conforto; para outros, a ausência definitiva pode ser mais difícil de aceitar. Dentro do processo terapêutico, as crenças dos pacientes são respeitadas e compreendidas para entender o que significa aquela perda para aquela pessoa. Em vários momentos, com meus pacientes, pude observar o quanto a visão espiritual pode mudar por conta da negação do falecimento e como sentimentos de injustiça estão interligadas a forma como o individuo interpreta suas crenças pessoais.
O Tempo no luto
Outro aspecto que reforça a individualidade do luto é o tempo. Não há um prazo definido para "superar" uma perda. Enquanto algumas pessoas podem começar a se sentir melhor após alguns meses, outras podem levar anos para encontrar um sentido de normalidade. Comparar o próprio processo de luto com o dos outros pode gerar frustração e sentimentos de inadequação. É essencial respeitar o próprio ritmo e entender que não há uma maneira "certa" ou "errada" de vivenciar o luto.
A importância de respeitar a singularidade do luto
Compreender que o luto é um processo individual e único é fundamental para oferecer apoio adequado a quem está enlutado. Julgamentos, comparações ou pressões para "se recuperar" podem invalidar a experiência da pessoa e dificultar ainda mais o processo de cura e propiciar o isolamento. Em vez disso, é importante oferecer um espaço seguro para que o enlutado expresse suas emoções livremente, sem medo de ser criticado ou incompreendido.
Durante a terapia, o paciente tem total liberdade para expressar suas emoções com relação ao luto sem julgamento ou pressões para que ele “resolva logo”. Para aqueles que podem se encontrar no luto mais complicado, o encaminhamento para outros profissionais é fundamental para que o luto não se transforme em depressão ou outros transtornos mais graves.
A terapia do luto deve ser adaptada às necessidades específicas de cada indivíduo, considerando sua história, personalidade e contexto. Não há uma fórmula mágica, mas sim um caminho a ser trilhado com paciência, empatia e respeito.
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